Contos

A Formatura

O ano era 2016. Janeiro de 2016. Eu não sabia muito bem o que eu fazia naquele carro, dirigindo para um evento para o qual eu não tinha sido convidada. Talvez eu quisesse fazer uma surpresa, mas tenho que admitir que a surpresa provavelmente seria para mim, pois fazia 4 anos que eu não via ou falava com ele e eu não sabia o que esperar daquele reencontro. Não sabia como era a aparência dele agora, não sabia se ele me reconheceria ou se seria a coisa mais estranha do mundo voltar a vê-lo depois de tanto tempo.

Tamborilava meus dedos na direção do carro em todas as sinaleiras que eu peguei fechadas durante o trajeto e que pareciam nunca mais ficarem verdes. De repente me lembrei que eu sempre ficava nervosa ao dirigir quando ele estava comigo, e naquele momento ele nem precisava estar ali, porque só o fato de saber que eu o veria em breve, me deixava com os nervos à flor da pele. Mas para manter a promessa que eu fiz a ele, de que eu sempre ia dirigir com cuidado, fui devagarinho e fiquei atenta a qualquer movimento estranho ao meu redor.

Quando eu cheguei na universidade, a formatura já tinha começado. Fiquei sabendo a data e o horário da colação de grau através de uma amiga dele, mas pedi a ela que não lhe contasse que eu iria, pois eu nem tinha decidido ainda se estaria lá ou não. Mas eu estava. Procurei um lugar para ficar e tentei me esconder de um possível conhecido, apesar de saber que não ia me topar com ninguém por lá. De longe, enxerguei ele lá no palco, sentado de toga e rindo baixinho com os colegas ao lado. Tanto tempo, mas ele parecia ser o mesmo de sempre.

Quando chamaram o nome dele, não pude evitar que meus olhos se enchessem de lágrimas. Eu o conheci quando ele tinha recém entrado na faculdade e era um orgulho para mim ver ele pegar aquele canudo na mão, coisa que ele tanto desejava. Senti meu coração bater mais forte e o suor na palma das mãos me fez parecer tola. Quando ele levantou o diploma com o braço erguido, eu soltei uma risada baixinha e disse “parabéns” num murmúrio, que eu esperava que chegasse aos ouvidos dele… Eu queria que ele soubesse como eu estava feliz por ele e que eu lhe desejava muito sucesso em sua vida profissional, apesar de ter a certeza de que ele já tinha. Sempre o funcionário mais dedicado da empresa. Sempre.

Depois da cerimônia, tentei localizar a família dele, para ficar um tanto próxima deles quando ele aparecesse para receber os parabéns. Fiquei esperando de pé, escorada num pilar de concreto, com a esperança de que ele olhasse naquela direção e me visse quando chegasse ali. Dez minutos mais tarde, eu enxerguei ele vindo em nossa direção, procurando amigos e familiares, se destacando das pessoas em volta por ser mais alto do que todas elas. Quando ele chegou no grupo de conhecidos, senti meus joelhos despencarem e, de repente, minha barriga parecia embrulhada e instável. Fechei os olhos por um segundo e disse para mim mesma que estava tudo bem.

Ele continuava alto e magro, com aquela carinha de menino, que um dia já foi tão familiar e da qual eu gostava tanto. Ele tinha o topete ajeitado para cima com um pouco de gel — finalmente — e o cabelo num corte bem curto, ressaltando os olhos cor de chocolate. O sorriso era o mesmo, sempre mostrando mais dentes do que devia. E eu adorava aquilo. De toga preta, um pouco mais curta do que deveria ser, ele parecia extremamente feliz enquanto recebia os parabéns de seus familiares. Eu sabia que ele sentiria falta de ir para a faculdade, que ele gostava tanto, mas também sabia que às vezes ele desejava concluí-la logo, para poder talvez seguir seus planos de viajar para fora.

Fiquei observando de longe toda a movimentação e quase torcendo para que ele não me visse, porque estava nervosa demais. Quando ele foi abraçar a mãe dele, senti um frio na barriga absurdo e tapei a boca com os dedos, pois percebi que a nossa troca de olhares estava prestes a acontecer. No momento em que ele bateu os olhos em mim, abriu o maior sorriso do mundo… Quanto tempo fazia que eu não o via mesmo? Retribuí o sorriso, sem jeito, e subi os dois ombros, em sinal de que não fazia a menor ideia do que eu estava fazendo ali. Ele abriu caminho em minha direção e me deu um abraço apertado e demorado. Silenciosamente, eu disse o quanto tinha sentido a falta dele e ouvi um outro silêncio em retorno, garantindo que aquele sentimento não era só meu… Fazia muito tempo. Tempo demais.

“O que você está fazendo aqui?”, foi a primeira coisa que ele me disse. “Eu vim te ver”, foi a minha resposta. Conversamos por dois minutos, ele perguntou como eu estava, eu perguntei como ele estava, ambos respondemos que bem e ficamos nos olhando como dois abobados, que não sabiam mais o que dizer um ao outro. Ele me puxou pelo braço até o local onde os conhecidos dele estavam e disse para eu não fugir dali, pois queria conversar mais comigo. Eu confirmei com a cabeça e fiquei olhando enquanto ele cumprimentava alguns tios, primos e amigos. Sorri para a melhor amiga dele, que estava do outro lado do amontoado de pessoas, e ela me sorriu de volta.

Vinte minutos depois ele veio falar comigo de novo. “Meu Deus, quanto tempo!” foi a frase que eu mais ouvi ele dizer. “Quatro anos”, eu respondia em silêncio com um sorriso nos lábios, mas eu sabia que ele não fazia noção de quanto tempo realmente fazia… Tagarelamos um pouco, tentando contar algumas novidades, e então eu falei que o presente dele estava no meu carro. Eu tinha tido a melhor ideia do mundo para o presente de formatura dele e estava ansiosa para ver sua reação ao abrir a caixa. Depois de se despedir de todos, fomos até o carro e eu pedi para ele esperar ao lado, pois eu precisava pegar a caixa, que era um pouco pesada. Larguei a caixa nas mãos dele e dei um passo para trás, para ver melhor a surpresa que ele teria em breve…

Eu enxerguei o sorriso dele antes mesmo de ele levantar o rosto para me olhar e agradecer pelo presente. E ele nem precisou dizer “obrigado”, o brilho nos olhos dele já entregava que eu tinha comprado o único presente que ele não esperava ganhar, mas que era o que mais queria… Dentro da caixa tinha um filhotinho de bulldog, branco com manchas caramelos e uma marca preta no olho esquerdo, como ele sempre sonhou. Ele não conseguiu articular nenhuma palavra de verdade e se agarrou no cachorrinho, que agora lambia o rosto dele. Ele me olhava, olhava para o cachorro, olhava para mim novamente e depois para o cachorro, tentando pensar em algo inteligente para dizer, mas ele não conseguiu falar nada. E nem precisava. Era só aquilo que eu queria, reencontrá-lo depois de anos e saber que eu ainda tinha a habilidade de fazer ele sorrir. Nada mais importava.

11 Comentários

  • kakau4ever

    Quando a gente está estudando parece uma eternidade, né? Mas quando vê passa voando e já terminou. E o mais legal disso tudo é ver que tudo valeu a pena. Mesmo sendo fictício, adorei a história.

    bjs

  • Andreia

    Sabes que me senti como se estivesse lá a ver a cena com os meus proprios olhos? Quando isto acontece é tão maravilhoso! Como se tivessemos sido sugados para detro do universo da história e só que estivesse a acontecer é que contasse. *-*

    Gostei do texto. Como sempre, ficou muito bom!

    Minha parte preferida:
    “(…) mas ele não conseguiu falar nada. E nem precisava. Era só aquilo que eu queria, reencontrá-lo depois de anos e saber que eu ainda tinha a habilidade de fazer ele sorrir. Nada mais importava.”

  • Bih

    Menina, como você escreve bem, hein?
    “Ele tinha o topete ajeitado para cima com um pouco de gel — finalmente — e o cabelo num corte bem curto, ressaltando os olhos cor de chocolate. O sorriso era o mesmo, sempre mostrando mais dentes do que devia… ” Isso me lembrou alguém.. oaskdpoaksdokapsdok!

    Deixa pra lá…

    PS> Pois é… eu com apenas 15 anos já tenho tanta coisa pra contar… kossdksoskodk!

    Beijos!

    delicadissima.com
    delicadissima.com

  • Adriel Christian

    E o beijo? A não, faltou a parte do beijo e o foram felizes para sempre. Mentira!

    Um texto muito lindo que me fez pensar sobre algumas coisas que aconteceram no ano passado… Eu comecei a gostar de uma pessoa, mas não tinha coragem de ir falar com ela, daí tentei me destacar com o melhor que posso, escrevendo alguns contos. Pedi ajuda para essa pessoa e ela viu que nos textos que eu escrevia tinha algo que fazia o coração dela, e o meu, bater mais forte. Não rolou nada entre essa pessoa e eu, mas este ano quando voltei ao colégio e a reencontrei pude ver que o importante não era tê-la como namorada ou algo do tipo, mas como uma amiga verdadeira pronta para me fazer sorrir, e chorar com as histórias que ela conta.

    Quando eu estava lendo o texto tive uma leve sensação de que você iria levantar da cadeira e ir no meio de todos cantar a música predileta dele e dizer no ouvido bem baixinho que ele é tudo na sua vida e que se vocês não ficassem juntos não teria graça viver… Amei, amei, amei!

    Contos assim me deixam tão bobo, sabe? Eu fico rindo para as paredes aqui do meu quarto esperando que alguém apareça e diga que me ama, mas sei que isso é impossível. A pessoa que amo não sabe que eu existo, ou pelo menos faz de conta que não! Mas, a vida é assim mesmo, a gente aprende com ela quando estamos alegres ou tristes, ricos ou pobres…

    Bjs!

    P.s.: eu realmente amei o texto e posso dizer que foi um dos seus melhores contos. Me arrisco a dizer que gostei mais deste do que o “A partida”. 😉

  • Priscila

    Awn, que história fofa!!!
    Se eu ainda estou pensando no cachorro haushaushausha o cachorro deveria ser a coisa mais fofa do munda ~ eu sei que isso é só uma história mais amo cachorro ; )

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *